Manguezais do Maranhão: o retorno

Na manhã do dia 21 de Junho de 2019, a equipe composta pelos biólogos Alex Alves, Marciel Estevam, Rita Olyntho e pelo oceanógrafo Breno Souza, partiu da cidade do Rio de Janeiro rumo à segunda expedição do Projeto Costa Norte na Baía de Turiaçu, localizada nas Reentrâncias Maranhenses. A expedição, que teve duração de 12 dias e foi encerrada no dia 02 de Julho, revelou-se surpreendente devido à grandiosidade da região, a beleza estonteante das florestas, as centenas de quilômetros desbravados até cidades distantes e os moradores locais que contribuíram para o sucesso dessa desafiadora e gratificante missão.


 

Baía de Turiaçu e sua localização

 

No dia seguinte à chegada em São Luís, a equipe precisou cruzar a Baía de São Marcos até o município de Alcântara, para isso seguiu de carro rumo a Ponta da Espera, de onde partiu de balsa até o porto de Cujupe. Neste mesmo dia,a equipe chegou a Turiaçu, de onde partiria no dia seguinte rumo ao povoado de Sababa, povoado situado na porção noroeste da baía de Turiaçu, escolhido como base nos primeiros dias de expedição.



Trajeto realizado de carro entre São Luís e Turiaçu, atravessando a baía de São Marcos.

 

O barqueiro Aroca (José Azevedo Sampaio)foi o responsável por transportar a equipe no trajeto através das águas da Baía de Turiaçu,por aproximadamente 4 horas até a chegada em Sababa.


 

Trajeto realizado de barco entre Turiaçu e Sababa, localidade ao norte da Baía de Turiaçu.

  


Equipe planejando a estratégia da expedição, sob o teto da embarcação do Aroca.

  


Observando as florestas alagadas pela janela da embarcação do Aroca.

 

O povoado de Sababa possui dois portos pelos quais os moradores e visitantes podem atracar para acessar as ruas de terra e descarregar suas mercadorias.  A atividade pesqueira é a responsável pela movimentação da economia na localidade. A rua principal do povoado é ligada ao maior porto local através de uma passarela de madeira que avança rio adentro, apesar disso, durante as marés baixas o acesso até o rio fica bem restrito devido à declividade suave e a grande extensão dos bancos de lama.

 


Localidade Sababa, assentada sobre uma estreita faixa de sedimento.

 


Chegada ao porto de Sababa, com a embarcação ainda navegando.

 


Poucos minutos após atracar, a embarcação já se encontrava atolada no banco de lama.

 

As residências no local são, em sua maioria, construídas com madeira. No povoado, há um campo de futebol, utilizado para o lazer dos moradores; uma igreja antiga, e ao lado dela, uma torre de metal bastante alta que foi deixada no local após as tentativas de levar energia elétrica à região falharem. A chegada da equipe no povoado de Sababa coincidiu com o início dos festejos de São Pedro (padroeiro local), por isso, todos os dias pela manhã bem cedo ouviam-se cânticos e hinos cristãos, além de danças em comemoração aos festejos de São João (típicos da época).


 

Igreja e casas de madeira ornamentam a principal rua do povoado de Sababa.

 


Caminhada pela passarela do porto secundário, ao fundo a torre de metal abandonada em Sababa.

 

Após a chegada em Sababa, através do porto principal, Aroca conduziu a equipe até a casa da Dona Raimunda e Seu Luís, moradores locais que gentilmente acolheram a equipe do projeto. Devidamente instalada, a equipe foi alegremente surpreendida por um maravilhoso peixe cozido, preparado pela Wall, moradora local que ficou responsável por preparar as refeições durante os dias de expedição em Sababa. Após contato com o Tiririca, piloto da rabeta que seria utilizada nos dias seguintes, os materiais de campo foram separados nas mochilas, as redes de dormir foram suspensas e assim foi encerrado o terceiro dia de expedição por terras maranhenses.



 Casa da Dona Raimunda e Seu Luís, base da equipe em Sababa.

 

No primeiro dia de acesso às florestas (24/06), foram realizadas medições em 3 parcelas, e vistorias em outras 2 parcelas. Além do desafio de compreender as nuances diárias das marés e evitar o aprisionamento da equipe em canais que secam na vazante e baixamar, outra dificuldade encontrada pela equipe foi à quantidade de locais onde caminhar era quase impossível. Nos manguezais dessa região,a lama muito fluida costuma ocupar a maioria das margens e florestas próximas, verdadeiros atoleiros! A equipe precisou de cuidado redobrado durante os trajetos e muito atenção durante os embarques e desembarques.



Breno puxando a trena de marcação de parcela na estação 82, onde a Rhizophora ocupava a maior parte da parcela.

 

No dia seguinte (25/06), a equipe realizou um grande deslocamento a pé através da praia do Cabeça, com o objetivo de vistoriar 2 estações (85 e 86). Embora o acesso a estas estações tenha sido bastante dificultado, a beleza cênica do local superou todas as dificuldades. Neste dia, a equipe atravessou campos de dunas, bancos de vegetação típica de restinga, avistou casas de palha ao logo da praia e caminhou sob um céu claro, num dia de sol forte. Um desafio neste dia foi contornar uma fazenda para fugir do ataque de vespas, que já haviam tentado atacar o Marciel. Neste mesmo dia, foram vistoriadas 6 estações e realizada medição em uma. Uma das estações vistoriadas neste dia foi a VIST1, que chamou atenção por conter indivíduos bem altos de Rhizophora, vivos e tombados.

 


Localização da Praia e do Furo do Cabeça

 


Campo de dunas e bancos de vegetação de restinga que dão acesso às estações 85 e 86.



Vestígios de presença humana em meio a imensidão de areia na Praia do Cabeça.

  


Estação de vistoria VIST1 em foco.

 

No dia 26/06,o objetivo da equipe foi encerrar com chave de ouro os trabalhos nas florestas de mangue das proximidades de Sababa. A localidade conhecida como Areia Branca foi escolhida para ser visitada. Neste dia foram realizadas medições em três estações (62, 64 e 65)e vistoriadas outras três (63, 76 e 77). Foram visitadas florestas densas (com muitos indivíduos), atoleiros difíceis de caminhar, florestas com poucos indivíduos e florestas associadas a planícies hipersalinas, os apicuns.

 


Marciel embrenhado na floresta, realizando vistoria na estação 76.

 


Planície hipersalina – apicum – próximo a estação de vistoria 63.

 

                Após a realização do trabalho no dia 26/06, a equipe ainda vestindo as roupas de campo seguiu rumo à Ilha de Santa Bárbara, local utilizado como base para os trabalhos nos dois dias seguintes, no lado oeste da Baía de Turiaçu. Esse trajeto através das águas da Baía de Turiaçu durou cerca de 2 horas e levou a equipe a refletir sobre como a permanência em Sababa e o convívio com os moradores daquela região foram experiências muito ricas.Mesmo com pouca estrutura (dormindo em redes com mosquiteiro, tomando banho de balde com água de poço),todo o acolhimento recebido pela equipe em Sababa foi de extremo valor e cooperou para o bom desenvolvimento do trabalho até ali.

 


Trajeto realizado de barco entre Sababa e a ilha de Santa Bárbara.

 


Chegada da equipe à Ilha de Santa Bárbara.

 

A equipe chegou à Ilha de Santa Bárbara num lindo fim de tarde e logo começou a mobilização para se instalar em sua nova base.  Santa Bárbara é um povoado com mais estrutura, se comparado a Sababa, contando com um número maior de residências (em sua maioria de alvenaria),mercearias, mercadinhos, áreas de lazer e possui um porto com melhor estrutura, sendo utilizável até mesmo em marés não favoráveis a navegação.  Mais uma vez Aroca foi pioneiro na busca por uma base para a equipe Costa Norte, que foi confortavelmente recebida na casa da Dona Creuza e seu esposo. Tia Chica (irmã de Creuza) gentilmente preparou uma refeição.  Assim após um dia intenso de imersão nas florestas de mangue, da instalação na nova base e do jantar, a equipe finalmente pode descansar, encerrando o sexto dia de campo na Baía de Turiaçu.



Rua principal da Ilha de Santa Bárbara.

 

No primeiro dia de trabalho na região da ilha de Santa Bárbara (27/06),foram medidas duas estações (55 e 56), e outras duas foram vistoriadas (54 e 57).No último dia (28/06), a equipe realizou a medição de indivíduos em 2 estações (33 e 35). Nestes dois dias, o clima apresentou maior instabilidade, com momentos de chuva intensa e outros de forte calor. A equipe seguiu levantando bem cedo, desbravando marés e florestas, abrindo parcelas, medindo e vistoriando os indivíduos presentes e fugindo dos atoleiros (essa última atividade, é claro, sem muito sucesso...). Em ambos os dias, o barqueiro que conduziu a equipe do projeto através dos canais e igarapés da região foi Seu Zoinho (morador local), a experiência de Zoinho fez toda a diferença, possibilitando a equipe desembarcar em locais de ótimo acesso.

 


O experiente condutor Zoinho aguardando a equipe.

 


Equipe acessando a estação 55 em meio a cortina de raízes, galhos e troncos.

 


Marcação de parcela, estação 56.

 

No dia 28/06, além do trabalho nos manguezais da região de Santa Barbara, a equipe também precisava retornar à cidade de Turiaçu, ou seja, não havia tempo a perder. Mesmo com maré baixa impossibilitando o desembarque, a equipe enfrentou o banco de lama que evitava a aproximação da estação 35 e decidiu realizar o acesso através de cordas, que deram suporte durante embarque e desembarque. Depois de escorregadas e atoladas engraçadas, a equipe conseguiu realizar os trabalhos, e seguiu rumo à estação 33, no barco de Aroca.

As condições de maré e clima estavam tão instáveis neste dia que mesmo em meio a forte ventania e uma maré enchente, a equipe não hesitou em pular do barco e entrar nadando na floresta, onde mais tarde caiu um temporal, que mesmo assim não interrompeu os trabalhos. O trajeto de volta à cidade de Turiaçu contou com travessias através da região conhecida como “Cabeça da Jibóia” e o a acesso conhecido como Furo do Café.

 


Trajeto de retorno a Turiaçu, passando pela Cabeça da Jibóia e o Furo do Café.

 


Corda auxiliando Alex durante trajeto por banco de lama rumo à estação 35.

 


Equipe satisfeita após superar os desafios do dia!

  


Contraste entre o verde das florestas e o vermelho dos guarás no caminho de volta à Turiaçu.

 

O retorno à cidade de Turiaçu no dia 28 de junho encerrou a primeira etapa da expedição TUR#2 pelas florestas de mangue neste trecho das Reentrâncias Maranhenses.

  


Localidades por onde passou a equipe Costa Norte na porção oeste da Baía de Turiaçu.

 

No dia 29, a equipe começou uma nova missão: explorar e descobrir as potencialidades do lado leste da Baía de Turiaçu para a execução da expedição seguinte (TUR#3).Nesta segunda etapa, foram identificados portos e acessos pelos quais seria possível sair de barco, as condições das estradas, possíveis locais de hospedagem e alimentação, além de fazer contato com moradores locais que pudessem contribuir com serviços de embarcação e condução de embarcação na expedição.

No dia 29/06, logo cedo, a equipe partiu de carro em direção ao município de Apicum-Açu, através das rodovias MA 209, MA 106, MA 006 e MA 303. Durante o percurso, a equipe cruzou cidades como Santa Helena, Pinheiro, Cururupu, Mirinzal, Central do Maranhão, Serrano do Maranhão e Bacuri, monitorando a presença de postos de combustíveis e postos de saúde pelo caminho.



Trajeto realizado pela equipe durante o desbravamento da porção leste da Baía de Turiaçu.

 

Após aproximadamente 300 km de estrada, a equipe chegou à cidade de Apicum-Açu,onde conheceu o porto da cidade, firmou os primeiros contatos com Rogério, o proprietário da embarcação e do motor que seriam alugados para utilização na expedição TUR#3, e com Joel, barqueiro que conduziu a equipe na expedição TUR#1 e que voltaria a conduzir a equipe do projeto nas próximas expedições na região. Toda turma foi presenteada com um belíssimo pôr do sol ao fim do dia. A segunda parte da expedição TUR#2 estava apenas começando, mas já prometia muito trabalho e descobertas.

 


Guarás dão as boas vindas na chegada à cidade de Apicum-Açu.

 


Cada espaço é disputado no porto de Apicum-Açu.

 


Pôr do sol em Apicum-Açu, belíssimo espetáculo!

 

A cidade de Apicum-Açu possui uma forte atividade comercial, serviço bancário e lotérico, postos de saúde, postos de combustível, bares, bons locais para hospedagem e alimentação. As ruas na cidade possuem trechos pavimentados, embora o trânsito de pessoas e animais nas vias seja intenso.O porto principal da cidade possui maior porte e estruturas e comparado com outros portos da região, e possui capacidade de acesso através do canal principal mesmo em condições de baixamar.

Algo que chamou a atenção da equipe durante a chegada e permanência em Apicum-Açu foi a grandiosidade dos festejos de São João na cidade. Na praça central, estava ocorrendo apresentações de ritmos regionais e danças folclóricas como a quadrilha, boi de maracatu, carimbó e tambor de crioula.

 


Festejos de São João na cidade de Apicum-açu.

 

No dia 30/06,a equipe despertou logo cedo e pegou a estrada rumo aos municípios e distritos da porção oeste da Baía de Turiaçu. Diversas estradas cortam esses municípios, e a que apresenta melhor estado de conservação é a MA 303, que embora apresente trechos esburacados, possui asfalto e acostamento. As demais estradas, em sua maioria, possuem condições muito precárias, muitos trechos encontram-se extremamente esburacados, alagados e é comum a presença de animais e de moradores locais caminhando às margens das rodovias. Dessa vez o atoleiro poderia segurar o veículo da equipe, portanto neste dia, o principal desafio foi conseguir chegar aos locais mais isolados através de estradas de barro sem atolar.



Piscina de lama na estrada de Portugal.

 

Foram visitados os portos das cidades de Itereré (que dá acesso ao rio Iperara) e do distrito de Portugal, localizado na cidade de Bacuri (que dá acesso à Baía de Turiaçu). Neste dia, além de averiguar a condição dos portos e da capacidade de acesso em cada local, a equipe também conversou com pescadores, comerciantes, produtoras de camarão seco, professores e alguns outros moradores locais para conhecer quais serviços estariam disponíveis nas cidades de Itereré e Bacuri.

A interação com os moradores dos locais visitados é sempre uma experiência enriquecedora para toda equipe, pois em locais remotos e de difícil acesso, essa relação de amizade entre a equipe e os moradores locais faz toda a diferença para o sucesso da expedição.

O dia de investigação logística para expedições futuras foi chegando ao fim, com a sensação de dever cumprido por parte da equipe. Cada local visitado bem como cada morador que disponibilizou um pouco do seu tempo para conversar com a equipe, contribuiu imensamente para o registro de informações e para o planejamento dos trabalhos de campo na porção leste da Baía de Turiaçu. Ao fim do dia, ainda sobrou tempo para mais uma conversa com Joel e Rogério, para formalizar a volta da equipe à região e fortalecer a parceria entre a equipe e os parceiros locais.

  


Porto de Itereré, difícil condição de navegabilidade.

 


Mulheres de Itereré em seu trabalho manual de produção de camarão salgado.

 


Equipe observando a condição do porto de Portugal, boa navegabilidade.

 


Babaçual em lagos rasos, vegetação bastante presente nas paisagens encontradas pelo caminho.

  

No dia 01 de julho, a equipe retornou à cidade de São Luís, percorrendo de volta todo caminho até o município de Alcântara, neste trajeto a equipe realizou pequenas paradas em cidades estratégicas para obter mais informações sobre a vacinação de prevenção e combate à raiva, tradicionalmente transmitida por morcegos. Ao chegar ao porto de Cujupe (município de Alcântara), os integrantes da equipe novamente pegaram uma balsa para regressar à cidade de São Luís, nesse trajeto puderam registrar imagens de um belo dia cruzando a Baía de São Marcos.

No dia 02 de julho, a equipe levantou voo de volta à cidade do Rio de Janeiro. A expedição foi considerada um sucesso, não apenas pela coleta muito bem sucedida de dados estruturais e físico-químicos das florestas de mangue, mas também pela investigação e planejamento da pré-logística para realização da próxima expedição, TUR#3. A magnitude de tudo é impressionante!! Em todos os cantinhos, há algo de especial a ser descoberto, e até mesmo as dificuldades encontradas serviram para fortalecer a equipe e aprimorar as ferramentas utilizadas durante o trabalho. Ao todo foram medidas 11 estações e vistoriadas outras 16.

 


Mapa de estações medidas e vistoriadas na expedição TUR#2.


Mais do que as medições que proporcionarão a produção de conhecimento científico, a equipe do projeto trouxe consigo memórias cativantes das pessoas que possibilitaram a realização da expedição e das lindas paisagens encontradas nas florestas de manguezal desse cantinho amazônico brasileiro.

 


Equipe presenteada com mais um lindo dia de mar na volta a São Luís.